São João: A morte anunciada de uma Cultura Viva

Por: Rivelino Almeida

O que fizeram com o São João não foi descuido.

Foi desmonte.

Foi apagamento deliberado.

Foi um assassinato simbólico — e o mais cruel: com a cumplicidade silenciosa de quem deveria gritar.

O São João sempre foi mais que festa: é a epifania do Nordeste.

É quando o povo se reencontra com suas raízes, dança a história de seus avós e canta, entre bandeirolas e balões, a poesia, a alegria e o orgulho de ser nordestino.

É memória acesa em cada balão, em cada sanfona, em cada sapateado de poeira e alegria.

É o tempo em que a dor vira canto, a seca vira verso, a saudade vira dança.

Mas hoje…

Hoje, o que era altar de memória, virou balcão de negócios.

Onde antes se exaltava a alma do sertão, agora se negocia visibilidade com base em likes, em modismos, em contratos empresariais que sabem tudo de marketing, mas nada de Nordeste.

Prefeituras disputam quem gasta mais, quem traz o nome mais “estourado”.

E em nome do “maior São João do mundo”, vão sepultando, com pompa e luzes, o que temos de mais precioso: nossa identidade.

Flávio Leandro, Petrúcio Amorim, Flávio José, Maciel Melo, Elba Ramalho…

Poetas vivos da alma nordestina.

Ícones. Vozes que cantam o sertão com as suas lutas, superações e amores.

Todos sendo empurrados para os bastidores, esquecidos nas programações ou usados como figurantes em suas próprias festas.

Estão sendo enterrados vivos, ano após ano, entre um refrão raso de sofrência e outro de sertanejo pasteurizado, onde a única coisa que se repete é a ausência de verdade.

É doloroso dizer isso.

Mas mais doloroso é fingir que não estamos vendo.

Cadê o céu dos balões?

Cadê a fogueira com cheiro de infância?

Cadê a zabumba marcando o compasso da alma?

Cadê o menino do bairro que sonhava em tocar triângulo no palco da cidade?

Morreu. Tudo isso morreu.

E o luto tem sido dançado como se fosse celebração.

Não foi o tempo que matou o São João.

Foi a omissão.

Foi o lucro.

Foi a troca do conteúdo pela embalagem.

E o mais triste: estamos aplaudindo.

Nordestinos estão vestindo o figurino da festa e sorrindo enquanto enterram a própria história.

Estamos confundindo inovação com submissão.

Estamos trocando poesia por performance.

Estamos perdendo tudo — e achando bonito.

É preciso dizer com todas as letras: estamos sendo colonizados dentro da nossa própria casa.

O que estamos vivendo é um processo brutal de descaracterização cultural.

E ele é silencioso porque foi maquiado de modernidade.

Mas é um corte profundo, que sangra e mata lentamente.

Não se trata de rejeitar a música de fora. Mas sim de entender que o São João não é um festival genérico.

É festa de raízes. É tempo sagrado para os que mantêm acesa a fogueira do pertencimento.

A cultura nordestina não é apêndice, nem entretenimento opcional.

São João não é palco de modismo. É altar de memória.

Ela é resistência. É identidade. É o que nos resta num país que já nos negou quase tudo.

É preciso criar políticas culturais sérias, que priorizem quem faz arte no sertão, nas vilas, nos bairros esquecidos.

É preciso educar, emocionar, despertar.

Porque se o São João deixar de ser nosso,

não nos sobrará nem a festa, nem a fé.

O São João é teu, Nordeste!

Tua alma pulsa no som da zabumba.

Tua história mora no fole da sanfona.

Tua coragem está no canto do vaqueiro, no sapateado da quadrilha, no verso do repentista.

Não deixemos que matem nossa identidade diante dos nossos olhos.

Resistir é dançar forró na contramão da indiferença.

É dizer em alto e bom som: Enquanto houver um fole tocando, uma zabumba batendo — tal qual a pulsação do coração — e um triângulo soando no terreiro da vida, o Nordeste estará vivo.

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