Pesquisa aponta que apenas 28% dos cargos de secretariado em estados e capitais são ocupados por mulheres

A presença de mulheres nos cargos de secretariado nos governos estaduais e capitais brasileiras permanece reduzida. O primeiro Censo das Secretárias — mapeamento com primeiro escalão dos governos subnacionais (estados e capitais) 2024, conduzido pelos Institutos Aleias, Alziras, Foz e Travessia Políticas Públicas, com o apoio da Fundação Lemann e Open Society Foundations, revela que apenas 28% destes cargos são ocupados por mulheres, totalizando 341 secretárias, enquanto os homens representam 72%. Embora alguns avanços tenham sido registrados, somente uma capital, Natal, e três estados — Alagoas, Pernambuco e Ceará — atingiram a paridade de gênero no período analisado. Em contrapartida, 20 estados e 16 capitais não alcançaram 30% de participação feminina em seus secretariados.

O Censo mapeou 698 órgãos estaduais e 536 municipais nas capitais e considerou as secretárias que ocuparam os cargos entre novembro de 2023 e março de 2024. Pela primeira vez, o questionário incluiu a autodeclaração racial, o que permitiu um levantamento inédito do perfil racial. Os dados mostram que 57,4% das respondentes se identificam como brancas, 37,8% como pretas ou pardas, 3% como indígenas e 2% como amarelas. Outro dado levantado é a sub-representação de mulheres com deficiência: 1,3% (três secretárias) se declaram como pessoas com deficiência.

O estudo também mostra que as mulheres  estão mais presentes em pastas sociais nos estados (53%) e capitais (44%). No entanto, sua participação em áreas estratégicas, como infraestrutura (22% nos estados e 18% nas capitais)órgãos centrais (18% em ambos) e econômica (15% nos estados e 30% nas capitais), permanece limitada. A concentração feminina em setores como Assistência Social, Saúde e Educação — áreas de grande visibilidade e orçamento — reflete o fenômeno da segregação horizontal, que limita o acesso das mulheres em áreas ligadas à tecnologia, matemática e engenharia, reforçando estereótipos de gênero.

Para Marina Barros, diretora do Instituto Alziras, esses números evidenciam barreiras estruturais que continuam a impedir a ascensão feminina em posições de maior influência. “Apesar de as mulheres terem conquistado espaço em algumas áreas, sua sub-representação nos cargos de primeiro escalão continua preocupante. A falta de diversidade nessas áreas impacta diretamente a qualidade das políticas públicas”.

Censo aponta qualificação elevada de secretárias 

A pesquisa também aponta que 43% das secretárias possuem especialização, 26% têm mestrado e 10% concluíram doutorado. Entre as mulheres negras, essa qualificação é ainda mais elevada, com 44% delas tendo especialização e 32% mestrado. Além disso, 66% das secretárias têm 21 anos ou mais de experiência profissional, e 61% passaram a maior parte de suas carreiras no setor público, com 67% já atuando no setor antes de assumirem o cargo de secretária.

“O que vemos é que as secretárias estaduais e das capitais são mulheres extremamente qualificadas, com uma longa trajetória no setor público e experiência de gestão, formulação e implementação de políticas públicas. Esse é um retrato que vemos em outros níveis e setores também, considerando que as mulheres na sociedade brasileira possuem mais anos de formação escolar do que os homens”, ressalta Esther Le Blanc, diretora executiva do Instituto Foz.

Ao investigar os espaços institucionais percorridos por essas mulheres, o levantamento identificou que 40% das secretárias vieram de outra secretaria e 33% da mesma pasta, indicando uma ascensão dentro do próprio executivo. A menor proporção com experiência em funções executivas fora das secretarias e em cargos legislativos sugere que a experiência na administração direta é um fator importante para a ascensão ao cargo de primeiro escalão.

Apesar dessa trajetória, 50% estão ocupando esse cargo pela primeira vez, o que pode indicar um fenômeno recente de entrada de mulheres nestas posições, mesmo para aquelas com alta qualificação e ampla experiência. Os Institutos analisaram que, embora as mulheres sejam maioria (61%) na base da pirâmide do serviço público, elas enfrentam obstáculos estruturais para alcançar posições de maior poder e decisão.

“Para chegar nos cargos de liderança, as mulheres precisam ser nomeadas. E quem nomeia é quem está no alto escalão do poder executivo, em sua grande maioria, homens. Parece não ser suficiente que elas tenham anos de experiência e formação, se quem tem a caneta na mão não se comprometa em trazer mais mulheres para esses cargos. Isso explica o dado que vimos na pesquisa da relevância do capital político, patrocínio, redes e laços sociais para elas”, disse Luana Dratovsky, diretora executiva do Instituto Aleias.

Participação em movimentos feministas e sociais 

Em relação à participação política, quase metade tem algum vínculo partidário e 1 em cada 5 já foi dirigente partidária. As experiências de participação e ativismo também foram pontos destacados pelo estudo.

As secretárias negras destacam a importância de suas experiências em movimentos feministas e sociais — 23% mencionaram a influência do ativismo feminista em suas trajetórias, comparado a 9,8% das secretárias brancas. Já 17,2% das negras mencionaram a participação em outros movimentos sociais, enquanto 25% das brancas relataram não ter participado de nenhum desses grupos e movimentos. Esses dados sugerem que as mulheres negras enfrentam maiores barreiras estruturais e, por isso, as experiências prévias de formação e participação política impulsionam a ascensão a cargos de liderança.

Quando perguntadas sobre suas intenções de continuar no setor público, 77% das secretárias responderam que pretendem seguir trabalhando com políticas públicas. No entanto, apenas 17% manifestaram interesse em se candidatar a cargos eletivos no futuro, enquanto 57% não têm essa pretensão e 26% ainda estão indecisas.

“O projeto mostra a importância de realizar diagnósticos para orientar políticas públicas. Os dados sobre perfil e trajetória das secretárias estaduais e das capitais municipais dá insumos para o poder público e as organizações da sociedade civil atuarem em prol da paridade de gênero, orientando mudanças necessárias na composição dos quadros de liderança da gestão pública. Um destaque é o recorte racial permitido pela coleta inédita da autodeclaração racial das Secretárias, o que qualifica os resultados em uma perspectiva interseccional”, explica Taís Borges, Co-fundadora da Travessia Políticas Públicas.

Fonte: Instituto Aleias

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