Especialistas alertam para os cuidados legais nas contratações temporárias durante os festejos juninos, enquanto o setor de eventos registra recorde de empregos formais no país
Da Bahia ao Maranhão, o xadrez, as bandeirolas e o forró tomam conta das cidades. Mais do que tradição e alegria popular, as festas juninas movimentam significativamente a economia e o mercado de trabalho. Segundo a Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), com base em dados oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o setor de eventos bateu recorde no primeiro trimestre de 2025, com 8.202 novos empregos formais em seu core business. Um crescimento de 39% em relação ao mesmo período do ano passado.
Com a chegada do São João, especialmente nas regiões onde a festa tem maior expressividade, como o Nordeste, aumenta também a procura por trabalhadores temporários para montagem de estruturas, serviços de limpeza, atendimento em barracas, segurança, sonorização e iluminação. No entanto, esse crescimento sazonal na oferta de empregos exige atenção redobrada à legislação trabalhista para evitar riscos jurídicos e prejuízos às empresas contratantes.
A advogada trabalhista e professora da Wyden, Valéria Soares, alerta que a contratação de trabalhadores temporários para os festejos juninos deve obedecer aos critérios da Lei nº 6.019/1974, atualizada pela Lei nº 13.429/2017, que regulamenta o trabalho temporário. “Esse tipo de contratação só é permitido em duas situações: substituição transitória de pessoal permanente ou acréscimo extraordinário de serviços. As festas juninas se enquadram perfeitamente neste segundo caso, dada a demanda pontual e significativa”, explica a especialista. Ela ressalta ainda que a contratação deve ser realizada obrigatoriamente por meio de uma empresa de trabalho temporário (ETT), devidamente registrada no MTE, sendo vedada a contratação direta pelo organizador do evento. “Tanto o contrato entre a tomadora e a ETT quanto o contrato entre a ETT e o trabalhador precisam ser feitos por escrito, com a justificativa clara da necessidade temporária”, reforça Valéria.
A desembargadora do trabalho e também professora da Wyden, Angélica de Mello Ferreira, concorda. “O São João é, sim, uma hipótese legítima para contratação temporária, desde que respeitado o que determina a legislação. Atividades como montagem de barracas, atendimento ao público, segurança e limpeza representam aumento transitório de demanda”, destaca. Para Angélica, o grande risco está na contratação informal. “Quando não há a intermediação legal exigida ou o contrato é feito diretamente com o trabalhador, configura-se fraude trabalhista. Isso pode acarretar multa, ações judiciais e até o reconhecimento de vínculo empregatício”, alerta.
Apesar de transitório, o trabalho temporário garante ao profissional uma série de direitos previstos em lei. Entre eles estão: salário equivalente ao de um empregado efetivo que exerça a mesma função, jornada limitada a oito horas diárias e 44 semanais, pagamento de horas extras com adicional de 50%, descanso semanal remunerado, 13º salário proporcional, férias proporcionais com adicional de um terço, FGTS, INSS e seguro contra acidentes de trabalho. O aviso prévio e a multa de 40% sobre o FGTS, no entanto, não se aplicam ao contrato temporário. Ainda assim, caso a empresa de trabalho temporário descumpra alguma dessas obrigações, a responsabilidade subsidiária recai sobre a tomadora dos serviços, ou seja, a organizadora do evento.
A legislação também impõe limites à duração desses contratos. “O prazo máximo é de 180 dias, consecutivos ou não, podendo ser prorrogado por até 90 dias adicionais, desde que mantida a justificativa original”, explica Valéria Soares. “Além disso, é proibido recontratar o mesmo trabalhador para a mesma função antes de decorridos 90 dias após o término do contrato anterior. Caso contrário, presume-se vínculo empregatício por prazo indeterminado”, acrescenta.
As especialistas são categóricas ao afirmar que a observância da lei é indispensável para evitar transtornos. “O descumprimento da legislação pode acarretar multas administrativas, ações judiciais e o reconhecimento de vínculo direto com a empresa tomadora”, reforça Angélica. “É essencial que os organizadores estejam juridicamente assessorados e ajam com total transparência e legalidade”, conclui Valéria.
Se as festas de São João são um patrimônio cultural do país, o respeito aos direitos dos trabalhadores deve ser parte integrante desta celebração. Garantir contratações corretas e seguras é o caminho para que a alegria dos festejos seja compartilhada de forma justa e responsável por todos os envolvidos.