Por: Rivelino Liberalino
“SOU FELIZ, PORQUE VOCÊ VOLTOU PRA MIM”
Um apelo emocionado pela volta do forró ao centro do palco nordestino
Há sentimentos que não se explicam com lógica, apenas com som, suor e saudade. E o forró — esse gênero que pulsa como veia aberta do Nordeste — é um desses sentimentos. Ele é mais que música: é morada, memória, missão. Ele não se canta apenas com a voz, mas com o corpo inteiro. Com fé, chão batido e coração acelerado.
Como disse Flávio Leandro: “Quero meu forró morando na literatura, desenhando a arquitetura da cultura popular”.
Sim. O forró é arquitetura. E não arquitetura de papel, mas de barro, suor e esperança. É templo onde se celebra o amor, o reencontro e a resistência.
Nas margens do Velho Chico, a poesia brota naturalmente, como cantou Jorge de Altinho: “Na margem do São Francisco nasceu a beleza que a natureza ela conservou, Jesus abençoou com a sua luz divina, para não morrer de saudade vou voltar pra Petrolina”.
Esse retorno simbólico a Petrolina não é apenas geográfico. É retorno à essência, ao som da sanfona que embala histórias de amor e de luta. Como negar ao forró o protagonismo de uma festa que nasceu com ele?
Como em uma noite de São João,
“Foi numa noite igual a esta que tu me deste o coração, o céu estava assim em festa porque era noite de São João”.
A festa continua, é verdade. Mas… e o coração? Continua sendo dado, mas já não se sabe a quem. Porque o forró, muitas vezes, virou coadjuvante na celebração que ele mesmo fundou.
“Tem tanta fogueira, tem tanto balão, tem tanta brincadeira, todo mundo no terreiro faz adivinhação”.
Mas a maior adivinhação tem sido: onde está o forró?
“Tá é danado de bom, forrozinho bonitinho, gostosinho, safadinho, danado de bom”,
já dizia Elba, e com razão. Porque o forró não precisa ser reiventado: ele já é perfeito na sua simplicidade encantadora.
Onde está você, forró?
“Onde está você? Apareça aqui pra me ver. Eu vou gostar demais.”
Apareça, forró, porque sentimos falta de você. Falta do triângulo, da zabumba, da sanfona, do xote que embala a saudade, do baião que consola e da poesia que acolhe.
“Todo tempo quanto houver pra mim é pouco, pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco”.
Esse “benzinho” pode ser a memória do nosso avô, da nossa infância, da primeira dança. Pode ser a certeza de que não se precisa de palco iluminado para viver um grande amor com o próprio chão.
“Vou me perder, me afogar no teu amor. Vou desfrutar, me lambuzar nesse calor…”
Porque o forró é isso: é entrega. É o afeto dançado. É o abraço em forma de música.
E quando ele vai embora, dói.
“Se amanhã você vier me procurar e não me achar, é porque já te esqueci. Não vá pensar que eu nunca te amei. Sabes que até chorei pra você voltar pra mim”.
Choramos, sim. Choramos em silêncio quando vemos o palco invadido por tudo, menos pela nossa alma musical. Mas ainda temos esperança. Ainda acreditamos que podemos cuidar da nossa tradição com amor e presença.
“Eu vou cuidar de você, todo dia, toda hora, e a todo momento. Você jamais vai duvidar do meu sentimento. É de dar inveja tanto amor assim”.
É assim que queremos ver o forró tratado: com zelo. Com devoção. Com protagonismo.
“Se tu quiser, basta me dizer que eu irei correndo. É só me avisar que tu tá me querendo, e o mundo vai saber o que é um grande amor.”
Mas não podemos viver de saudade.
“Uma andorinha só não faz verão e eu não sei viver na solidão.”
“Você foi longe, me machucando provocou a minha ira. Só que eu nasci entre o velame e a macambira. Quem é você pra derramar meu mungunzá?”
Nordestino sofre calado, mas não aceita ver sua raiz ser arrancada. Por isso, fazemos esse clamor sereno, mas firme.
“Ai, se eu fosse você, eu voltava pra mim de novo.”
Volta, forró. Volta pra tua casa, volta pro teu povo, volta pro palco, volta pro arraial.
“Por isso estou aqui pedindo pra você que está partindo, passarinho voador; nem que seja de passagem entregue a minha mensagem, faz pra mim esse favor.”
Entregue essa carta ao coração dos que podem decidir.
“Não queira mudar meu verso. Se é assim não tem conversa. Meu regresso para o brejo diminui a minha reza.”
Não tirem de nós a essência. Não travestam a festa de modernidade estéril. O que pedimos é respeito. Coerência. Representatividade.
E por fim, digo com a mesma emoção da música:
“Sou feliz, porque você voltou pra mim.”
“Sou feliz, porque você voltou pra mim.”
Volta, forró. Volta ao palco. Volta ao centro. O São João não é completo sem a tua alma.