Uma personal trainer foi agredida verbalmente e impedida de entrar no banheiro feminino de uma academia de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, após ser “confundida” com uma mulher trans.
O episódio aconteceu na manhã de segunda-feira (26), na unidade Boa Viagem II da rede de academias Selfit. Em nota, a empresa afirmou que “repudia qualquer ato de preconceito ou violência”
Em vídeos publicados em seu perfil em rede social, a personal trainer Kely Moraes contou como tudo aconteceu. Bastante emocionada e ainda abalada pelo ocorrido, a mulher disse que foi impedida por um homem e uma mulher de usar o banheiro.
Kely gravou parte do episódio e também compartilhou as imagens. Nesses vídeos, é possível ouvir a aluna da personal dizendo para ela mostrar a carteira de identidade para o agressor.
O homem, então, fala que, no andar de baixo da academia, há um banheiro para Kely. “Por que eu sou o quê?”, questiona Kely. “É inclusa, é inclusiva, tem inclusivo lá embaixo”, responde o agressor.
Nos relatos, Kely disse que essa não foi a primeira vez que passou por isso. “Ainda sem acreditar que existem pessoas assim. Fui vítima de preconceito. Eu só queria ir no banheiro. Só isso. Eu só queria ir no banheiro, só isso e nada mais”, afirmou a profissional.
Antes de chegar ao local, conta Kely, ela caiu de uma moto. A personal também disse que se levantou, apesar de estar com vários arranhões, mancando e com dores. “Fiquei toda hora dizendo a mim mesmo ‘é isso, Kely, a vida é isso, levanta, bora trabalhar'”, relatou, acrescentando ainda que não sabe como reagiu às agressões de forma mais amena, uma vez que é uma pessoa “muito explosiva”.
“A minha reação, de verdade, seria outra, mas não sei por que reagi, talvez com sabedoria. Eu estou aqui sem querer acreditar, mas, de vez em quando, aparecem flashs das palavras, dos insultos. Você tem direito e ir e vir para qualquer lugar, você não precisa provar nada para ninguém, você sabe quem você é, o que você faz. Às vezes as pessoas são tão ruins”, disse a mulher.
Kely também detalhou que em nenhum momento recebeu pedidos de desculpas pelas agressões. “Eu já tinha ido no banheiro e estava descendo a escada, ela passou por mim, parou no meio do caminho e disse assim: ‘que eu não poderia entrar no banheiro, naquele banheiro’. Aí eu: ‘Não tô entendendo’. Subi as escadas de novo e fui para perto dela e perguntei ‘Não estou entendendo, por que eu não posso entrar no banheiro?’ e ela disse ‘Porque você não pode, ali não é o seu lugar’. E eu: ‘Por que não é o meu lugar?’. E ela disse ‘ali não é banheiro para homem’. E aí eu entendi o peso da situação”.
Nesse instante, emenda Kely, ela reiterou para si mesma que não precisava “provar nada para ninguém”. “Eu sou uma pessoa digna do meu trabalho, estudei para isso, estou no lugar onde Deus me colocou, e por que eu não posso ir? Por que ela está dizendo isso?’. Em nenhum momento ela titubeou de pedir desculpas ou de achar que ela está errada. Ela falou com tanta convicção o que eu era que, se brincasse, eu mesma acreditava naquilo. Teve pessoas que estavam ao redor e acreditaram. E eu tive que me calar por uma coisa que eu estava ‘errada’ de uma coisa que eu não errei, eu só queria ir no banheiro”, pontuou.
Kely perguntou mais uma vez à agressora por que não poderia usar o banheiro feminino e ela respondeu que a personal “não era mulher”: “Ela falou que eu não podia ir naquele banheiro [feminino] e que eu tinha que ir no banheiro lá embaixo. E aí foi quando eu comecei a me alterar, mas com sabedoria. Perguntei se ela me conhecia, se ela conhecia minha história, se sabia quem eu era para falar aquilo. Em alguns momentos, a gente acha que tem que ter a necessidade da gente provar o que a gente é e a gente não precisa disso. Eu ainda falei assim para ela: que ia me mostrar a minha identidade para ela”.
Depois de ser xingada pela mulher, Kely foi alvo dos insultos do homem. “Ele chega e se mete, até então não sei se é marido dela, namorado, irmão, não sei. Ele diz que eu não posso ir, e aí eu pergunto a ele com inteligência porque eu queria que isso ficasse registrado, que ele ou a menina falasse para não ter desdém, não ter ‘mimimi’, ele mesmo fala que eu não posso ir, não posso frequentar o banheiro, que lá embaixo tinha um banheiro, que eu era uma ‘pessoa inclusiva’. E aí começou toda a confusão, minha aluna ficou muito nervosa, muito alterada mesmo”.
Por fim, Kely prestou queixa na polícia. “Fiz minha parte, Boletim de Ocorrência, vou processar. Mas e os danos psicológicos? O constrangimento? Eu estou envergonhada, não por ser comparada com uma trans, o que para mim é um elogio. As trans são lindas, cada uma tem sua história e tem suas guerras”, finalizou a personal trainer.
O que diz a Polícia Civil
Por meio de nota enviada nesta terça-feira (27), a Polícia Civil de Pernambuco informou que registrou uma ocorrência de “constrangimento ilegal, vias de fato e ameaça, que vitimou duas mulheres de 26 e 45 anos”.
Segundo a polícia, foi instaurado um inquérito policial e as diligências foram iniciadas “imediatamente após a comunicação do fato e seguirão até a completa elucidação”.
O que diz a Selfit
A Selfit Academias afirmou lamentar profundamente o episódio e reiterou que “repudia qualquer ato de preconceito ou violência”.
“A missão da Selfit Academias é proporcionar um ambiente seguro, acolhedor e respeitoso para todas as pessoas que frequentam nossas unidades — clientes, colaboradores, prestadores de serviço e parceiros”, afirmou a empresa.
A rede também disse no comunicado que, assim que a situação foi identificada, “a equipe local agiu para conter os ânimos e garantir a segurança das pessoas envolvidas”.
“As partes foram orientadas a formalizar o ocorrido às autoridades competentes e, desde então, a Selfit está à disposição para colaborar com as investigações. Também foi iniciada uma apuração interna rigorosa e serão aplicadas medidas disciplinares adicionais, conforme os princípios e valores da empresa”, completou a Selfit.