PGR apontou uso do TSE por Moraes como ilegal, diz Folha

Por Tribuna do Norte

Os jornalistas Fabio Serapião e Glenn Greenwald publicaram nova reportagem na Folha de S. Paulo sobre o fato do gabinete do ministro no STF ter ordenado de forma não oficial a produção de relatórios pelo TSE para embasar decisões. Eles mostram que a Procuradoria-Geral da República, sob o comando de Augusto Aras, contestou em novembro de 2022 a utilização do órgão de combate à desinformação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para abastecer o inquérito de fake news, do STF, por parte do ministro Alexandre de Moraes.

Em um processo sigiloso ao qual a Folha teve acesso, a PGR classificou tal utilização como ilegal, disse que ela viola o sistema penal e pediu a anulação das diligências realizadas, além da revogação das medidas tomadas com base em relatórios do órgão. A contestação foi apresentada por Lindôra Araújo, vice-procuradora-geral e braço direito de Aras, em forma de agravo regimental dirigido a Moraes no processo do ex-deputado estadual paranaense Homero Marchese. Como mostrou reportagem da Folha, o caso revela erros e contradições de Moraes.

Sucessor de Aras no comando da PGR, Paulo Gonet saiu em defesa de Moraes após as reportagens. Ao se manifestar sobre o caso no plenário do Supremo, afirmou que “invariavelmente” onde cabia nos processos a intervenção da Procuradoria “houve a abertura de oportunidade para atuação do Ministério Público”.

Gonet disse também ter identificado “as marcas de coragem, diligência, assertividade e retidão” do ministro nas decisões e no modo de conduzir o processo. Procurado pela Folha com perguntas sobre o parecer anterior de Lindôra e sobre sua fala recente, o atual PGR não respondeu.

Lindôra contesta a coleta de provas

No agravo de novembro de 2022, a vice de Aras afirmou a Moraes que a coleta de provas feita pela AEED (Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação) do TSE foi inconstitucional e ilegal por se tratar de “diligências investigativas de ofício realizadas pelo Poder Judiciário, em violação ao sistema processual acusatório”.

No recurso, a PGR também demonstrou não ter a informação de onde partiam os pedidos para produção dos relatórios e qual era a origem do conteúdo recebido por Eduardo Tagliaferro, chefe da AEED no período e responsável por assinar os documentos.

Para Lindôra, nesse cenário, a AEED estava desempenhando uma função investigativa, sem a participação do Ministério Público, afrontando o sistema penal. Segundo a PGR, o STF decidiu que, mesmo no caso do inquérito das fake news, era necessário o acompanhamento do Ministério Público.

“Na prática, a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, que eventualmente pode estar recebendo informações do recém-criado núcleo de Inteligência do Gabinete do Presidente do TSE, tem exercido função investigativa a subsidiar inquéritos em curso no STF, o que afronta o modelo constitucional acusatório do processo penal”, consta em trecho do agravo.

Segundo a PGR, a estrutura da Justiça Eleitoral estava “atuando em situações alheias ao combate à desinformação no processo eleitoral, passando a monitorar redes sociais de pessoas que convocaram manifestações contra a viagem de ministros do Supremo Tribunal federal aos Estados Unidos, para participação em evento privado em Nova Iorque”.

“Não se pode admitir que órgão do Poder Judiciário Eleitoral, a pretexto de combate a desinfor mação, materialize diligências investigativas, com o escopo de coletar elementos quanto a autoria e materialidade delitiva criminal a serem compartilhados com o STF”, disse a PGR.

Lindôra afirmou que a AEED estava “procedendo também a análise de aplicativos de mensagens (Telegram) e culminando com a extração de conteúdo das publicações, realização de diligências para identificação de autoria e produção de relatórios que são remetidos a inquéritos em curso no Supremo”.

Jornal aponta Moraes no papel de MP e polícia

No sistema acusatório, estabelecido na Constituição Federal, cabe ao Ministério Público ou à polícia a produção de provas e ao Judiciário julgar. A formatação controversa desse inquérito acabou validada pelo plenário do STF somente no seguinte ao de sua criação.

Como revelou a Folha, mensagens entre juízes de Moraes no STF e no Tribunal Superior Eleitoral com auxiliares de seus gabinetes mostram o uso não oficial da AEED para abastecer o inquérito das fake news.

As ordens solicitadas pelo ministro e por seus assessores ao ex-chefe do órgão de desinformação no tribunal eleitoral eram todas dadas de maneira informal. Os assessores de Moraes, segundo as mensagens, sabiam do risco dessa informalidade. Um deles demonstrou em áudios essa preocupação.

“Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda [um pedido] pra alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato.”

Moraes tem dito que todos os procedimentos adotados “foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações”.

“Diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação.”

Em sessão no STF, na semana passada, ele disse: “Seria esquizofrênico eu, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral [à época], me auto oficiar”.

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