A política brasileira, marcada historicamente por disputas de poder, nem sempre caminha ao lado da justiça e da isonomia. O que vemos hoje em Pernambuco remete, inevitavelmente, ao passado recente do país. A governadora Raquel Lyra (PSD), primeira mulher a comandar o estado, enfrenta uma pressão crescente na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), que parece ecoar os mesmos padrões de perseguição enfrentados por Dilma Rousseff na presidência da República. Ambos os casos têm algo em comum: homens em posição de poder utilizando os mecanismos institucionais como ferramentas de desgaste político contra lideranças femininas.
A ofensiva atual contra Raquel Lyra é liderada por ninguém menos que o presidente da Alepe, Álvaro Porto (PSDB), ex-aliado da governadora. Em uma articulação de 18 deputados, foi protocolado no dia 4 de agosto um pedido de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar supostas irregularidades em contratos de publicidade do governo estadual. Embora CPIs sejam instrumentos legítimos da democracia, a forma como estão sendo conduzidas, e o timing político da ação, revelam uma tentativa clara de enfraquecer a governadora antes da disputa eleitoral de 2026, onde ela aparece como um nome competitivo.
A lembrança do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, é inevitável. Foi sob sua liderança que se iniciou o processo de impeachment contra Dilma Rousseff, em um movimento amplamente questionado por juristas, mas eficaz do ponto de vista político. Cunha terminou preso pela Operação Lava Jato, acusado de corrupção. Hoje, Álvaro Porto reproduz um roteiro semelhante em Pernambuco, mirando diretamente a imagem da governadora — que, ao contrário de Dilma em seu segundo mandato, ainda cumpre o primeiro mandato de uma gestão marcada por ajustes administrativos e enfrentamentos duros com grupos políticos que se habituaram a operar sem fiscalização.
A tentativa de criar uma narrativa de escândalo envolvendo a publicidade institucional do governo, sem apresentar previamente qualquer evidência concreta de ilegalidade, levanta suspeitas sobre a real motivação da CPI. Seria zelo com o dinheiro público ou uma manobra para desgastar politicamente uma mulher que ousou não se curvar às pressões de grupos tradicionais da política pernambucana? O uso político das CPIs, embora previsto na legislação, se torna um problema grave quando transforma o parlamento em arena de vinganças e não de fiscalização legítima.
Raquel Lyra foi eleita democraticamente com votos de homens e mulheres que acreditaram em seu projeto de mudança. O desafio de governar um estado com tantas desigualdades já é por si só monumental. Quando somado à resistência misógina e ao jogo pesado de quem não aceita ver uma mulher no centro do poder, o cenário se torna ainda mais difícil. A governadora, entretanto, demonstra resiliência e articulação, fatores que a colocam em posição de protagonismo para 2026, o que talvez explique o desconforto de alguns setores.
O povo pernambucano não pode se deixar enganar. Fiscalizar é uma obrigação do legislativo, mas perseguir por conveniência política é uma afronta à democracia. Que a Alepe cumpra seu papel com responsabilidade, sem ceder a pressões eleitoreiras. E que Raquel Lyra, como primeira mulher a governar Pernambuco, não seja vítima do mesmo roteiro que tirou do poder a primeira mulher presidente do Brasil. O tempo mostrará quem está do lado da justiça e quem apenas joga o velho jogo do poder a qualquer custo.