Imagine um mapa vivo de uma invasão silenciosa: 489 espécies exóticas vegetais documentadas em mais de 187 mil pontos do território brasileiro. Esse é o retrato que surge do novo banco de dados nacional organizado por diversas instituições brasileiras, entre elas o Núcleo de Ecologia e Monitoramento Ambiental (NEMA), unidade vinculada à Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e localizada em Petrolina, no Sertão Pernambucano. Mais do que números, esses registros representam ameaças à biodiversidade e, ao mesmo tempo, oportunidades para agir antes que o problema se torne irreversível.
O artigo “Georeferenced database of invasive non-native species occurrences in Brazil”, publicado neste mês de outubro de 2025, reúne um esforço nacional para compilar e validar registros georreferenciados de espécies invasoras em todo o Brasil. Os autores do estudo são Rafael Barbizan Sühs, Sílvia R. Ziller, Clarissa Alves da Rosa, Patricia B. Puechagut, Beloni T. P. Marterer, Eduardo L. H. Giehl, Matheus Silva Asth, Carlos H. Targino, José Renato Legracie-Jr, Tatiani E. Chapla e Rafael Dudeque Zenni.
A publicação apresenta 187.160 registros georreferenciados correspondentes a 489 espécies invasoras não-nativas dos reinos Animalia, Plantae e Chromista, distribuídas por ambientes terrestres, aquáticos de água doce e marinhos, incluindo ilhas brasileiras. Parte desses dados foi obtida em bases nacionais e internacionais, como a Global Biodiversity Information Facility (GBIF), além de publicações científicas, planos de manejo de unidades de conservação e informações fornecidas por órgãos governamentais. Entre 2021 e 2024, todos os registros passaram por um processo de validação realizado por especialistas em âmbito estadual e nacional.
Para assegurar a qualidade do material, os autores adotaram padrões internacionais de dados biológicos e trataram cuidadosamente os casos em que as ocorrências não possuíam coordenadas exatas. Nesses casos, foi utilizado o centróide municipal, ou seja, o ponto central aproximado da área geográfica do município, acompanhado da indicação da incerteza espacial gerada por essa estimativa. Também houve filtragem rigorosa para remover registros com erros evidentes, como espécies terrestres “localizadas” no mar ou espécies marinhas “em terra”. O processo incluiu ainda consultas públicas com mais de 75 especialistas, que puderam sugerir inclusões, exclusões e ajustes acompanhados de referências bibliográficas.
O banco de dados já vem sendo utilizado em estados como Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, além de ter subsidiado normativas federais, como a Instrução Normativa 510/2025 do ICMBio. Ele serve como um instrumento fundamental para avaliações de risco, planejamento de conservação, políticas públicas, modelagem ecológica e até iniciativas de ciência cidadã, como o aplicativo Invasoras BR, que permite à população enviar registros de espécies para análise de especialistas.
Para o professor Renato Garcia Rodrigues, coordenador do NEMA/Univasf, esse banco de dados representa um salto de utilidade e transparência para a comunidade ambiental. “A participação do NEMA neste artigo demonstra a qualidade e a robustez do banco de dados sobre a biodiversidade da Caatinga que está sob nossa responsabilidade. A partir deste banco de dados, diversos estudos vêm sendo desenvolvidos, fortalecendo a participação de nossos estudantes e pesquisadores, além de ajudar a sedimentar a Univasf como uma importante instituição de pesquisa”, afirma.
O pesquisador Matheus Silva Asth, também autor do artigo e membro do NEMA/Univasf, ressalta a relevância da participação local em um trabalho de impacto nacional. “Para mim, como pesquisador no semiárido, é gratificante ver que os dados que levantamos em nossa região encontram lugar em um contexto nacional. Os registros foram obtidos ao longo de quase uma década, resultado de um grande esforço técnico e científico. A participação reafirma o nosso papel no cenário da ciência de invasões no Brasil. Saber quais são as espécies invasoras que ocupam nosso território e onde elas estão são informações chave para desenhar políticas públicas voltadas à conservação da biodiversidade brasileira”, destaca.
Mais do que uma simples base de registros, o banco de dados construído pelos pesquisadores se consolida como uma ferramenta estratégica para o Brasil. Ele integra ciência, política e sociedade em torno de um objetivo comum: reconhecer a dimensão do problema das espécies invasoras e garantir que a informação gerada se transforme em ações efetivas de prevenção, controle e conservação da biodiversidade.
Ascom Cemafauna