Servidores podem ser punidos por condutas fora do trabalho

O afastamento de um auditor da Controladoria-Geral da União (CGU), após a agressão a uma mulher e uma criança no Distrito Federal, trouxe novamente ao centro do debate os limites da responsabilidade funcional do servidor público. A legislação brasileira prevê que condutas praticadas fora do ambiente de trabalho também podem resultar em sanções administrativas, quando incompatíveis com o cargo ou com os princípios da administração pública.

As punições estão amparadas em normas que datam da década de 1990. A Lei nº 8.112/1990, que institui o Regime Jurídico Único dos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações federais, estabelece o regime disciplinar, define penalidades e determina o rito para apuração de irregularidades. A norma alcança comportamentos tanto no exercício das funções quanto na vida privada, desde que afetem a moralidade administrativa ou a imagem do serviço público.

Complementarmente, o Decreto nº 1.171/1994 aprovou o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. O texto funciona como um guia de conduta que vai além da mera observância da lei, ao reforçar valores como probidade, decoro e responsabilidade. O código também se aplica à conduta do servidor fora do ambiente institucional.

As duas normas, no entanto, não alcançam servidores dos Poderes Judiciário e Legislativo, militares nem empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista.

A legislação prevê três níveis de sanções, conforme a gravidade da infração: advertência; suspensão; e demissão, cassação ou destituição.

A advertência é a penalidade mais branda. Deve ser aplicada por escrito pelo chefe da repartição e é destinada a infrações leves. O registro é cancelado após três anos de exercício, desde que não haja reincidência. Entre os exemplos, estão ausentar-se do serviço sem autorização, recusar fé a documentos públicos, coagir subordinados para filiação sindical ou partidária e manter parentes próximos sob chefia imediata.

A suspensão representa uma punição intermediária e implica o afastamento temporário do servidor, por até 90 dias. É aplicada, em geral, em casos de reincidência ou violação de deveres funcionais. A penalidade pode ser convertida em multa de 50% da remuneração por dia, com manutenção do trabalho, se houver interesse da administração. O registro é cancelado após cinco anos sem novas infrações.

As penalidades mais severas são a demissão, a cassação de aposentadoria ou disponibilidade e a destituição de cargo em comissão ou função comissionada. A demissão é aplicada em casos de infrações gravíssimas, como crimes contra a administração pública, improbidade, corrupção, abandono de cargo, aplicação irregular de recursos e agressão física no exercício da função. Dependendo do caso, pode haver impedimento de retorno ao serviço público por cinco anos ou de forma permanente.

A cassação atinge servidores inativos que, quando ainda estavam na ativa, cometeram infrações puníveis com demissão. Já a destituição é aplicada a ocupantes de cargos de confiança envolvidos em faltas sujeitas a suspensão ou demissão. As sanções mais graves são impostas por autoridades de alta hierarquia, como o presidente da República, presidentes de tribunais ou das Casas do Legislativo.

Processo administrativo

No caso do auditor da CGU David Cosac Junior, afastado após agredir a ex-namorada e o filho dela, de quatro anos, o governo determinou seu afastamento. Em nota, o ministro da Controladoria- Geral da União, Vinícius Marques de Carvalho, afirmou que a violência praticada configura conduta incompatível com a moralidade administrativa.

“No âmbito administrativo, a CGU já adotou providências imediatas. Os fatos divulgados indicam violação grave aos deveres funcionais previstos na Lei nº 8.112/1990, especialmente ao artigo 116, inciso IX, que impõe ao servidor público o dever de manter conduta compatível com a moralidade administrativa”, declarou.

Quando um servidor público federal é alvo de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), ele passa a cumprir um rito legal rigoroso para apuração de responsabilidades. Como medida cautelar, a autoridade competente pode determinar o afastamento preventivo do servidor por até 60 dias, prazo que pode ser prorrogado por igual período.

O afastamento tem como objetivo evitar interferências na investigação. Durante esse período, o servidor continua recebendo remuneração integral. Além disso, enquanto o PAD estiver em andamento, ficam suspensas possibilidades como exoneração a pedido ou aposentadoria voluntária, até a conclusão do processo.

Proibições que podem resultar em censura ética ou na abertura de PAD incluem usar o cargo ou relações para obter favorecimento; prejudicar a reputação de servidores ou cidadãos; deixar interesses pessoais interferirem no atendimento ao público; apresentar- se embriagado de forma habitual; adulterar documentos ou omitir a verdade; retirar bens ou documentos sem autorização; desviar servidores para fins particulares; e associar o nome a atividades ou empreendimentos de conduta duvidosa.

Reputação pública

As punições aplicáveis aos servidores públicos não se restringem ao ambiente de trabalho. Determinados comportamentos adotados na vida privada também podem gerar sanções administrativas, quando considerados incompatíveis com o cargo ou prejudiciais à imagem do órgão ao qual o servidor está vinculado.

A legislação parte do princípio de que há uma integração entre as esferas pública e privada. Isso significa que a conduta do servidor, mesmo fora da repartição, pode refletir sobre a credibilidade do Estado. Nesse entendimento, o comportamento individual deve contribuir para a preservação da honra, da moralidade e da tradição do serviço público.

Por esse motivo, práticas como apresentar-se embriagado de forma habitual, ainda que fora do expediente, ou associar o próprio nome a empreendimentos de reputação duvidosa podem resultar em penalidades. O mesmo vale para o exercício de atividades profissionais consideradas antiéticas, capazes de comprometer a confiança da sociedade na atuação do poder público.

Marcello Alencar de Araújo, subprocurador-geral do Distrito Federal e ex-integrante da Comissão de Ética da Presidência da República, afirma que o Código de Ética alcança condutas praticadas fora do exercício do cargo, com o objetivo de preservar não apenas a imagem do Estado, mas também a do próprio servidor público.

“Quando alguém é identificado como servidor público, espera- se que adote uma conduta ética e correta. Essa exigência decorre da própria Constituição da República, que consagra o princípio da moralidade. Por isso, é importante que esse parâmetro esteja previsto” comentou.

O procurador acrescentou que é importante proteger a imagem de moralidade do Estado e que foi por isso foi criado esse regramento. “Por isso que, ao contrário do que acontece no caso da lei das infrações disciplinares, que são apuradas no exercício do cargo, as apurações de natureza ética são averiguadas também fora do exercício do cargo”, explicou.

Assédio

Embora o termo “assédio” não apareça explicitamente nas normas que regulam o comportamento dos servidores públicos, a prática é proibida e sujeita a punição, tanto pela lei quanto pelo decreto. É vedado permitir que perseguições, paixões, caprichos ou interesses pessoais interfiram no relacionamento com colegas ou no atendimento ao público, sejam superiores, subordinados ou pares. Prejudicar deliberadamente a reputação de outros servidores ou cidadãos também é considerado infração, assim como tratar mal alguém, caracterizando dano moral.

O respeito à diversidade é outro ponto central das normas. Os servidores devem se abster de causar qualquer tipo de dano moral e tratar todas as pessoas sem preconceito ou discriminação por raça, sexo, cor, idade, religião, orientação política, nacionalidade ou posição social.

As regras ainda detalham procedimentos para proteger vítimas e apurar irregularidades. Entre as medidas estão o afastamento preventivo, a instauração de sindicância ou Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e a manutenção de sigilo durante a investigação, quando necessário para resguardar o interesse da administração. Para definições mais recentes ou detalhadas, é possível consultar manuais da Controladoria-Geral da União (CGU), que complementam a legislação.

Código do STF

Recentemente, o caso do Banco Master levou diversas autoridades a defender a criação de um regulamento específico para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao Correio, o advogado constitucional Ilmar Muniz explicou que a Constituição Federal atualmente não prevê a criação de um código de conduta específico para os ministros do Supremo. “Os ministros seguem a Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN) e o Código de Ética da Magistratura Nacional, aprovado pelo CNJ, mas não há um código próprio, detalhado e exclusivo para a Suprema Corte”, disse.

Contudo, Muniz acredita que uma norma própria traria muito mais benefícios. “Um código de ética não enfraquece o STF — ao contrário, fortalece a legitimidade, a confiança pública e a segurança institucional. Ele protege a própria Corte de críticas constantes, reduz ruídos políticos e aproxima o Judiciário da sociedade. Transparência e ética não limitam a independência; elas a legitimam”, defendeu o advogado.

Ilmar ainda listou o que poderia ser previsto para tornar o código claro e objetivo, citando os modelos da CGU como inspiração. “Entre os pontos essenciais estariam: regras sobre conflitos de interesse; limites para relações político-partidárias e manifestações públicas; transparência em agendas, encontros e eventos; diretrizes sobre atuação fora do tribunal, como palestras, eventos e redes sociais; e mecanismos objetivos de responsabilização, sem interferir na independência judicial”, destacou.

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