A busca por evitar disputas judiciais, reduzir impostos e proteger herdeiros impulsiona o uso de testamentos, doações e ferramentas como holdings e previdência privada – e até o saldo do FGTS pode entrar na conta
Falar sobre morte, herança ou guarda dos filhos pode parecer precoce ou desconfortável, mas cada vez mais famílias estão se antecipando ao tema. O planejamento sucessório vai além de organizar a divisão de bens: ele assegura que a vontade da pessoa falecida seja respeitada, previne litígios entre herdeiros e ainda pode significar uma grande economia em tributos e processos burocráticos.
Segundo dados do Colégio Notarial do Brasil, a formalização de testamentos aumentou 32% entre 2019 e 2024, impulsionada pela conscientização da importância do planejamento e também pelas incertezas trazidas pela pandemia. Famílias com grandes patrimônios, em especial, têm liderado essa movimentação, visando preservar seus ativos e garantir a continuidade dos negócios.
Questões como a definição da tutela de filhos menores, a proteção de companheiros ou companheiras em uniões estáveis e até a destinação de ativos digitais podem ser incluídas. E isso vale tanto para quem possui empresas quanto para quem acumula patrimônio ao longo da vida, como imóveis, investimentos ou mesmo saldos de FGTS, que também podem ser destinados por via sucessória.
Os principais instrumentos de planejamento e como usá-los
Entre os meios mais comuns para organizar o futuro patrimonial estão o testamento, a doação em vida, a previdência privada, o seguro de vida, a criação de holdings patrimoniais, os fundos exclusivos e, para quem tem bens no exterior, estruturas como offshores e trusts.
O testamento é a ferramenta mais democrática: pode ser feita por qualquer pessoa, independentemente da existência de um grande patrimônio. A principal vantagem está na flexibilidade: pode ser alterado ou revogado a qualquer momento, ao contrário da doação, que é definitiva. Já a doação em vida, mesmo respeitando a reserva legal de 50% aos herdeiros necessários, é útil para evitar inventário, desde que os custos com ITCMD – o imposto estadual sobre doações – sejam considerados no planejamento.
Previdência privada e seguro de vida, por sua vez, são cada vez mais utilizados para garantir liquidez imediata aos herdeiros. O valor de ambos não entra em inventário, o que permite, por exemplo, cobrir as despesas com cartório, advogados e eventuais dívidas deixadas pelo falecido. No caso da previdência, é essencial que os beneficiários estejam corretamente nomeados, respeitando os limites legais para não serem contestados judicialmente.
A holding patrimonial ganha espaço entre famílias que desejam estruturar seus bens sob uma pessoa jurídica. Com ela, é possível distribuir cotas em vez de bens físicos, reduzindo tributos e simplificando a gestão. Já os fundos exclusivos e estruturas internacionais, como trusts e offshores, são opções mais sofisticadas e indicadas apenas para grandes fortunas.
O papel do FGTS e outros direitos na sucessão
Embora o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) não seja lembrado com frequência em planejamentos patrimoniais, ele também pode compor o espólio e ser direcionado aos herdeiros. Em casos de falecimento, o saldo do titular é liberado aos dependentes registrados no INSS ou herdeiros legais. Essa liberação não exige inventário judicial, desde que seja apresentada a documentação correta, o que agiliza bastante o processo.
Além do FGTS, outros recursos que não costumam entrar diretamente na partilha, como saldo de contas bancárias, restituição de imposto de renda e cotas de consórcio, também devem ser previstos. Por isso, o planejamento sucessório precisa ser completo, considerando não só o valor dos ativos, mas também sua liquidez, tributação e forma de transferência.
Nesse sentido, o seguro de vida pode desempenhar um papel essencial. Como destaca a advogada Viviane Vasques, um bom planejamento inclui prever as despesas do inventário – que podem ser elevadas: “Já vi casos em que os bens herdados eram valiosos, mas a família não tinha dinheiro em caixa nem para pagar o processo”, conta.
Flexibilidade é essencial: prepare-se para mudanças
Um ponto central em qualquer planejamento sucessório é a possibilidade de reversão. Afinal, a vida muda: nascem filhos, ocorrem separações, casamentos, reconciliações e adoções. Um planejamento engessado pode se tornar um problema no futuro. Por isso, é recomendado que a estrutura escolhida permita revisões e ajustes.
“Planejar não é simplesmente distribuir bens. É garantir que os desejos da pessoa sejam respeitados, mesmo diante de mudanças ao longo do tempo”, explica Vasques. Ela cita o caso de uma cliente idosa, sem filhos, que pretendia doar seus bens à cuidadora – uma decisão válida, mas que exigia cautela. “Se a cuidadora falecesse antes, os bens poderiam ir para terceiros. A solução foi optar por um testamento, que ela pode alterar a qualquer momento”, completa.
Mesmo pessoas com patrimônio modesto se beneficiam ao evitar disputas, proteger filhos e facilitar processos. Com orientação jurídica adequada e abordagem estratégica, é possível garantir tranquilidade para quem fica – e respeito à vontade de quem parte.