Desabafo de Ana Castela alerta para o cuidado com a saúde mental de quem trabalha com a internet

Por Vitória Floro / Folha de Pernambuco

“Nem tudo é glamour como vocês veem na internet”, a frase da cantora Ana Castela foi dita entre lágrimas, durante um show que realizou no interior de Minas Gerais, no dia 5 de julho.

Mesmo se tratando de um relato pessoal, o vídeo do desabafo viralizou e comoveu a classe artística e aqueles que dependem das redes sociais para trabalhar.

Se por um lado a internet abre portas para que artistas e até pessoas anônimas alcancem o estrelato, por outro a dinâmica de cobrança, presença constante e críticas irracionais podem provocar sérios problemas de saúde mental.

O sonho de trabalhar com as redes seduz por diversos motivos: flexibilidade de horários, trabalho de casa, fama e promessa de aumento de renda de forma fácil e rápida.

No entanto, a realidade dos produtores de conteúdo no Brasil e dos artistas que dependem das redes para divulgarem seus trabalhos é cercada também de problemas de insegurança, baixa autoestima, estresse emocional e sobrecarga.

Influenciadores, por exemplo, atuam muitas vezes sem regulamentação, carteira assinada ou renda fixa. O dinheiro, em parte, pode vir da divulgação de publicidades, onde os contratos definidos pelas agências costumam estabelecer datas de pagamento com prazos entre 60 e 120 dias após a publicação do conteúdo.

Com quase duas décadas de carreira digital, a influenciadora e empresária Camila Coutinho é um dos nomes pioneiros da produção de conteúdo no Brasil.

Criadora do blog “Garotas Estúpidas” em 2006, ela acompanhou de perto a transformação do cenário digital e os impactos que o ritmo das redes podem gerar na vida pessoal e emocional de quem trabalha com a própria imagem.

“Teve uma época, mais ou menos em 2017, que foi quando eu me senti mais perdida, mais desgostosa do que eu estava fazendo. Comecei a tentar me encaixar em estéticas e formatos que não eram meus, tentando parecer mais com outras pessoas. E foi aí que percebi o quanto isso estava me afastando da minha essência”, conta Camila. “Toda vez que volto a falar do meu jeito, com autenticidade, eu fico mais feliz com o trabalho que estou fazendo”.

Ao longo dos anos, ela compreendeu que estar nas redes com constância não pode significar abrir mão do equilíbrio emocional.

“A gente entra em um looping: posta, vê quem comentou, quem curtiu, se engaja. O problema maior nem é postar — é o quanto isso suga e prende. Você fica dentro da plataforma o tempo todo”, relata.

Camila criou, inclusive, a expressão #ViveDepoisPosta, como forma de reforçar a importância de aproveitar a vida offline. “Já fiz várias viagens que ninguém soube. Me sinto como se fosse um tesourinho, um presente pra mim mesma. A gente não precisa mostrar tudo”.

Longe da idealização do feed perfeito, a influenciadora também reconhece a pressão emocional envolvida na entrega constante de conteúdo.

“Tiveram momentos em que percebi que estava postando mais por medo de sumir do que por vontade real de me comunicar. A cabeça começou a pesar, o corpo ficou cansado e a alegria que eu sempre tive em criar virou cobrança”.

Para a psicóloga clínica Mariana Miranda, a autocobrança exarcebada dentro do trabalho faz parte da lógica de todas as profissões, mas se intensifica dentro do cenário da produção de conteúdo para a internet.

“O trabalho do influenciador naturalmente consiste em aprovação externa. Sem audiência, likes e engajamento, a profissão não existe. Enfrentar isso na extrema larga escala que é a internet pode se tornar ainda mais nocivo”, destaca.

É justamente esse sistema de validação constante que a comediante e influenciadora Ademara tem buscado tensionar por meio do humor.

Em uma de suas criações mais comentadas, viralizou ao surgir fantasiada de “Tempo de Tela” no Halloween, ao som da música Welcome to the Internet, do também comediante Bo Burnham.

No vídeo, interpreta a própria presença online em meio a uma avalanche de estímulos visuais, ironizando o ritmo acelerado e insustentável das redes ao cantar uma letra que chama atenção para os absurdos que existem no convívio online.

“No meu vídeo, eu quis colocar até mais estímulos do que o original porque sabia que essa seria a única forma de fazer as pessoas permanecerem na tela por quase cinco minutos. É sobre usar as ferramentas que a gente entendeu que são nocivas, como o excesso de estímulo, para comunicar outra coisa”.

Sobre o equilíbrio nos momentos em que o cansaço mental fala mais alto, mas o trabalho exige presença online constante, ela diz considerar a internet como apenas uma esfera da sua vida profissional, que possuí muitos outros compromissos.

“Eu sou atriz também. E quando estou trabalhando numa série ou filme, passo muitas horas no set. Então, simplesmente não tem como aparecer com a mesma frequência nas redes. Eu me respeito muito nesse sentido. A internet exige presença, sim, mas não tem como eu atender a isso se estou em outro projeto também”.

Ela reforça que escolheu, desde o início, limitar a exposição da sua vida pessoal como forma de autoproteção.

“Eu limito bastante a exposição da minha vida pessoal. As pessoas não sabem com quem namoro. Também não costumo mostrar o rosto da minha mãe e dos meus avós. Eu não tento espetacularizar a minha vida, e isso me traz alguma proteção nesse sentido”.

Mariana Miranda explica que os sinais de adoecimento mental mais comuns entre influenciadores envolvem os transtornos de ansiedade, transtorno depressivo maior, transtornos alimentares e de autoimagem, síndrome de burnout e distúrbios de diversas ordens que afetam a rotina e o bem-estar.

Ela alerta também para a dependência das redes sociais, que tende a desfuncionalizar o sono, rotina, alimentação, lazer e socialização do indivíduo.

“Quando o trabalho está diretamente sujeito às redes, o senso de obrigação de se manter conectado se torna exponencialmente maior, o que pode trazer esses distúrbios de forma mais rápida e pesada. Essa é uma receita precisa para o adoecimento mental. Isso ocorre não só com influenciadores, mas com qualquer pessoa que tem a divulgação de imagem como parte de seu ofício”.

No último domingo, um dia após o desabafo de Ana Castela nos palcos, a cantora e atriz Fabi Bang, protagonista do musical Wicked Brasil, em cartaz desde março em São Paulo, usou suas redes sociais para também falar sobre um caso de estafa mental excessiva.

“Eu tive um burnout, passei por um período de apuros emocionais e congestionamento mental pensando em muita coisa ao mesmo tempo. Muito cansaço, muita demanda e muita autocobrança”, destacou.

Como uma das protagonistas de um espetáculo com quase três horas de duração, Fabi se apresenta de quarta a domingo, com sessões duplas nos finais de semana. No meio dessa rotina, ela ainda cuida da filha de seis anos e gera conteúdo para suas redes.

“Não é fácil assumir tantas responsabilidades como eu assumo. A maior delas e a mais protagonista é a de criar a minha filha, minha doação extrema e permanente para o resto da vida. Eu parei de gerar conteúdo nas redes porque isso acaba exigindo uma vitalidade e um carinho que eu não estava conseguindo dar”, explicou no vídeo.

Segundo a atriz, o desgaste mental partiu de um local de cobrança exagerada para entregar um trabalho perfeito em cena.

“Uma característica minha é não conseguir entregar o razoável. Eu deveria conseguir e me obrigar a ficar em paz quando ofereço o satisfatório, mas eu não fico. Gosto de assumir as responsabilidades e entregar aquilo que me comprometi a fazer com muito amor e muito capricho. Em alguns momentos da vida essa qualidade minha vai roubar minha sanidade. Eu só posso dar o que eu tenho”, desabafou a artista que ficou conhecida por interpretar a protagonista Glinda nas montagens brasileiras de Wicked em 2016 e 2023, papel que revive nos palcos neste ano.

Para Mariana Miranda, o entendimento também precisa partir do público que acompanha as figuras públicas, ao compreender que por trás das telas existe uma pessoa com dores reais.

“Privacidade é um direito constitucional, e a promoção da própria imagem em redes sociais não retira esse direito das pessoas”, enfatiza.

Para os artistas e influenciadores o caminho é o autoacolhimento, entendendo que eles também são seres humanos com necessidades biológicas e emocionais que precisam de atenção.

“Acolher a sua condição humana e seus sentimentos é fundamental. A psicoterapia, claro, é um dos caminhos possíveis para se refletir sobre tudo isso. Para trabalhar os processos identitários e de exaustão. Para entender como e quais limites são necessários em sua vida, tanto offline quanto online. Aprender a validar o que se sente e silenciar as vozes externas”, indica.

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