Fonte: BBC News
Um juiz poderoso – mas que está “testando os limites de sua autoridade” – numa cruzada contra a direita radical digital no mundo. É assim que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) é apresentado aos leitores da revista americana The New Yorker, uma das mais influentes do mundo, em um perfil publicado na segunda-feira (07/04).
Num longo texto assinado pelo renomado jornalista Jon Lee Anderson, Moraes – ou Big Alex, numa adaptação para o inglês do apelido Xandão – é classificado como um “um jurista combativo”, “frequentemente descrito como o segundo homem mais poderoso do Brasil” e que se coloca numa guerra sobre quem detém o poder para definir a realidade política atual.
“De um lado, estavam Alexandre de Moraes e seus aliados. Do outro, uma coalizão internacional de influenciadores da direita, incluindo [o ex-presidente] Bolsonaro, [o bilionário] Elon Musk e, cada vez mais, [o presidente americano] Donald Trump”, diz o texto de Anderson, autor do livro Che Guevara: uma biografia, sobre um dos líderes da Revolução Cubana, e de inúmeros perfis de líderes políticos, como o do chileno Augusto Pinochet ou o do venezuelano Hugo Chávez.
À revista, após apresentar suas justificativas sobre o enfrentamento digital que incluiu o bloqueio de redes sociais como Telegram, X e, mais recentemente, Rumble, Moraes ironizou sobre a possibilidade de sofrer pressões do governo dos EUA.
“Eles podem entrar com processos, podem colocar o Trump para falar”, disse.
“Se eles mandarem um porta-aviões, aí a gente vê. Se o porta-aviões não chegar até o Lago Paranoá, não vai influenciar a decisão aqui no Brasil”, completa o ministro, referindo-se ao lago de Brasília que pode ser visto desde o seu escritório no STF.
Moraes é alvo de ações nos EUA movidas pela empresa de mídia do presidente dos EUA, a Trump Media, e o Rumble (uma plataforma digital de compartilhamento de vídeos). As companhias acusam o magistrado de infringir a primeira emenda da Constituição americana, que garante liberdade de expressão, ao determinar remoção de contas de influenciadores de direita.
Os “esforços de Alexandre de Moraes para combater o extremismo”, como destaca a New Yorker, vêm da percepção do ministro de que as redes sociais são hoje “o maior poder de todos” e que vêm sendo usadas “para influenciar eleições.”
“A direita radical percebeu, durante a Primavera Árabe, que as redes sociais podiam mobilizar pessoas sem intermediários.”
“Se Goebbels [o ministro da propaganda de Hitler] estivesse vivo e tivesse acesso ao X (ex-Twitter), estaríamos condenados. Os nazistas teriam conquistado o mundo”, declarou Moraes, descrito como um homem não tão alto para obter a alcunha de Xandão, mas “visivelmente em forma”, diante de uma rotina de corrida, levantamento de pesos e aulas de Muay Thai, uma arte marcial tailandesa.
O perfil será distribuído impresso na edição da próxima segunda-feira (14/04) da revista, sob o título de “Homens Fortes”.
‘Esquerda me chamava de golpista’
O perfil da New Yorker também traz a trajetória profissional de Alexandre de Moraes até se tornar o nome mais proeminente do atual STF.
Filho de um empresário e uma professora de São Paulo, Moraes se formou em direito na USP e logo ganhou notoriedade na carreira jurídica, tornando-se promotor e autor de livro.
No mundo político, ocupou cargos em São Paulo até se tornar o secretário de Segurança Pública linha-dura na gestão de Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente da República.
A revista ressalta que a chegada de Moraes ao STFpassa longe da percepção bolsonarista de que o ministro é um defensor da esquerda.
Anderson escreve que a ascensão nacional de Moraes acontece com a chegada de Michel Temer à Presidência, em 2016, após o impeachment da então presidente Dilma Rousseff.
“O mandato [de Temer] já começou sob a sombra de um possível escândalo: um chantagista havia invadido o celular de sua esposa e ameaçava divulgar fotos comprometedoras dela. A história era perfeita para os tabloides — Temer tinha 75 anos, e sua esposa, uma ex-miss, 32”, escreve Anderson
“Ao ouvir o relato do problema, Moraes rapidamente montou uma equipe de investigadores para encontrar o chantagista e prendê-lo. Como em um gesto de gratidão, Temer o nomeou ministro da Justiça do Brasil”, completa.
Quando surgiu uma vaga no STF, Temer indicou Moraes à Suprema Corte.
“Quando me tornei ministro da Justiça, toda a esquerda me chamava de golpista. Eles me odiavam. Agora, é a direita radical que me odeia”, declarou Moraes
No STF, escreve Anderson, Moraes esperava atrair polêmicas, mas não poderia imaginar “que a democracia brasileira estaria em risco”, com relata o ministro.
“Assim, o Supremo Tribunal Federal, invocando um dispositivo que lhe dá poder para investigar qualquer ‘violação da lei penal nas dependências da Corte’, abriu sua própria investigação — essencialmente se tornando vítima, promotor e juiz”, diz o texto da revista sobre a abertura do chamado inquérito das fake news, em 2019, por decisão do então presidente do STF, Dias Toffoli.
Moraes acabou sendo sorteado para relator do caso – que acabou se desdobrando em investigações sobre as milícias digitais e as invasões em Brasília em 8 de janeiro de 2023, promovidas por apoiadores de Bolsonaro.
Assim, Moraes acabou no centro de disputas altamente polarizadas.
O texto da New Yorker explica que o STF, uma Corte que não podia ser considerada “liberal” diante das decisões que tomava sobre temas como aborto, acabou se unindo em torno de Moraes, diante das disputas com Bolsonaro e seus apoiadores.
Na entrevista ao jornalista americano, o ministro defendeu que o julgamento recente que tornou Bolsonaro réu acusado do crime de tentativa de golpe de Estado faz cair por terra o discurso de perseguição política.
“Não foi só a Polícia Federal que os acusou — o próprio procurador-geral decidiu apresentar denúncia”, disse Moraes, que declarou ainda não haver “a menor possibilidade” de o STF reverter a inelegibilidade de Bolsonaro.
Bolsonaro está proibido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de disputar eleições até 2030, por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação, referente a uma reunião convocada com diplomatas estrangeiros para divulgar notícias falsas sobre insegurança das urnas eletrônicas.
Ao longo do perfil de Moraes, Jon Lee Anderson entrevista especialistas que questionam, porém, a extensão do poder do ministro. Entre eles, o jornalista Felipe Recondo, autor de livros sobre o STF e para quem o “risco” é se criar uma autoridade sem controle.
Anderson escreve que “por vezes, as investigações de Moraes extrapolaram os limites de sua autoridade”.
Como exemplo, o jornalista cita o bloqueio de mais de cem contas em redes sociais sem fornecer explicações às plataformas e da multa de R$ 50 mil estipulada por Moraes a quem furasse o bloqueio do X no Brasil.